sábado, 11 de setembro de 2010

Sugestões para modificações do Projeto de Lei do Senado nº 166/2010 – Novo Código de Processo Civil – Texto apresentado pelo Professor Ronaldo Brêtas

Aos Excelentíssimos Senhores
Senador Demóstenes Torres, Presidente,
e Senador Valter Pereira, Relator-geral,
Membros da Comissão Especial de Reforma do Código de Processo Civil
Em mãos

Excelentíssimos Senhores Senadores,

Entregue na audiência pública realizada em Belo Horizonte (MG), às 15 horas,
na data de 3/9/2010, no edifício sede do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Sugestões para modificações do Projeto de Lei do Senado nº 166/2010 – Novo Código de Processo Civil – Texto apresentado pelo representante da Faculdade Mineira de Direito da PUC/Minas, na audiência pública realizada em Belo Horizonte - A presente proposta de sugestões está sendo entregue à Ilustrada Comissão Especial do Senado Federal para a Reforma do Código de Processo Civil, em audiência pública realizada na data de 3/9/2010, elaborada a partir de estudos realizados pelo Professor Ronaldo Brêtas com os alunos do Curso de Mestrado da Faculdade de Direito da PUC/Minas[1] – área de concentração em Direito Processual - nas aulas da disciplina Elementos de Técnica do Processo de Conhecimento, 2o. semestre de 2010 .

Por primeiro, fica esclarecido a Vossas Excelências que as sugestões ora apresentadas visam à melhoria do texto do Projeto à epígrafe, à luz da principiologia constitucional do Estado Democrático de Direito, focalizando apenas os pontos reputados mais críticos ou importantes, após sua leitura e interpretação, observada advertência feita pelo jurista Pontes de Miranda, no sentido de que, para bem se interpretar um texto normativo, é preciso ter alguma simpatia por ele, eis que, com antipatia, não se interpreta, mas se ataca o texto.

I – Sugestões quanto à estrutura sistemática do novo Código

1. O Título III, do Livro II (Processo de Conhecimento), arts. 505 a 696, trata dos Procedimentos Especiais. Entretanto, ao individualizá-los, nos Capítulos que o integram (Capítulo I, arts. 505 a 515, Capítulo II, arts. 516 e 520, e Capítulos seguintes, o texto do Projeto não mais faz referência a procedimentos, mas, sim, a ações: ação de consignação em pagamento (Capítulo I, arts. 505 a 515), ação de prestação de contas (Capítulo II, arts. 516 a 520) e assim sucessivamente. Ora, se o referido Título III cuida dos qualificados procedimentos especiais, o texto, como está, revela confusão entre procedimento e ação, porque, nos Capítulos que integram dito Título, o certo seria mencionar Do procedimento da consignação em pagamento (Capítulo I, arts. 505 a 515), Do procedimento de prestação de contas (Capítulo II, arts. 516 a 529), Do procedimento de divisão e da demarcação de terras particulares (Capítulo III, arts. 521 a 550), Dos procedimentos possessórios (Capítulo IX, arts. 639 a 652) e assim por diante. É de se reparar que o Capítulo X (arts. 653 e seguintes), de forma correta, menciona Dos procedimentos contenciosos. Sendo assim, a sugestão que se faz é no sentido de substituir a expressão ação por procedimento. Registre-se que o Código de Processo Civil de 1973, em vigor, no Livro IV (arts. 890 e seguintes), faz a mesma confusão entre ação e procedimento.[2]

2. No Livro III do Projeto, que trata do Processo de Execução (arts. 697 e seguintes), constata-se problema na estrutura de seu sistema. No seu Título III (Das diversas espécies de execução), Capítulo I (Das disposições gerais), o art. 721 prevê que a execução se realiza no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados do devedor. Referido artigo faz uma ressalva ao seu início: “ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal”. Advirta-se, desde logo, que o intitulado concurso universal de credores tem lugar no procedimento da execução por quantia certa contra devedor insolvente, também chamado, de forma simplificada, insolvência civil. Mais adiante, no Capítulo IV (arts. 749 e seguintes), o texto do Projeto trata do que qualifica Da execução por quantia certa contra devedor solvente. Entretanto, o Livro III (arts. 697 a 846), que disciplina o Processo de Execução, não normatiza o procedimento da execução por quantia certa contra devedor insolvente. Porém, de forma estranha, no Livro V, que trata das Disposições Finais e Transitórias (arts. 961 a 970), o Projeto prevê, no art. 970: “Até que se edite lei para regular a insolvência civil do devedor civil, permanecerão em vigor as disposições do Título IV do Livro II do Código revogado, observado o disposto neste artigo”.

2.1- Ora, essa estruturação sistemática do Projeto revela-se inusitada, com a devida vênia. Primeiro, porque, a se manter o Projeto como está, o novo Código de Processo Civil iniciará sua vigência deixando em vigor parte do Código de Processo Civil revogado, ou seja, o velho Código de 1973 ficará revogado apenas parcialmente, porque o procedimento da execução por quantia certa contra devedor insolvente (insolvência civil), ali disciplinado normativamente, continuaria prevalecendo. Em segundo lugar, porque, ressalvado melhor exame, a Exposição de Motivos não esclarece o porquê dessa estruturação, melhor dizendo, não aponta as razões pelas quais será necessário outras disposições normativas para a execução por quantia certa contra devedor insolvente, procedimento a ser disciplinado, cogitado ou construído por lei extravagante (fora do Código), até porque, se isto fosse realmente necessário, deveria tê-lo feito agora. Em terceiro, porque o procedimento da execução por quantia certa contra devedor insolvente, criado no Código de 1973, em vigor, foi considerado, na época, um de seus pontos diferenciados, e não sofre, na doutrina, grandes críticas quanto à sua configuração normativa. Em quarto e último lugar, outros procedimentos foram reproduzidos no Projeto, praticamente como se encontram no Código de 1973, com breves alterações (por exemplo, exatamente os procedimentos executivos existentes no Livro III, Título II, Capítulos II, II, IV e seguintes, abrangendo os arts. 730 e seguintes).

2.2- Sendo assim, é preciso corrigir esse aspecto estrutural do Projeto, inaceitável tecnicamente, inexistentes esclarecimentos a respeito, por parte da douta Comissão de Juristas que elaborou o respectivo anteprojeto. A sugestão corretiva que se faz é a de trazer para o corpo do Projeto, por inteiro, o texto normativo do Código de Processo Civil de 1973, em vigor, que disciplina o procedimento da execução por quantia certa contra devedor insolvente ou insolvência civil, Livro II, Título IV (arts. 748 a 786-A). Haveria, assim, um encarte dessas disposições normativas no Projeto, introduzidas no seu Livro III (Processo de execução), Título II, depois do seu Capítulo IV (que trata da execução por quantia certa contra devedor solvente, arts. 749 e seguintes). A insolvência civil (ou execução por quantia certa contra devedor insolvente) seria então tratada normativamente no Capítulo V (após art. 833), do Título II, do Livro III, do Projeto. Ter-se-ia, em consequência, de carrear as normas do procedimento da execução contra a Fazenda Pública (art. 834) para um Capítulo VI, no Projeto, naturalmente sob renumeração adequada dos seus artigos 834 e seguintes. Finalmente, feitos esses acertos estruturais ora sugeridos no sistema normativo do Projeto, não se pode esquecer que, a partir do acolhimento das modificações propostas, o texto do seu art. 970 (Livro V, Disposições Finais e Transitórias) não mais teria razão de ser, do qual seria expungido. No ponto, como está o Projeto, admitido que fosse convertido em lei, posteriormente sancionada, entraria em vigor de forma inacabada, como está a informar o conteúdo normativo de seu art. 970, ou seja, teríamos um novo Código não terminado, incompleto, porque mantendo em vigor parte do velho Código, o que, parece, não tem sentido lógico ou racional..

3. O Projeto, acompanhando o sistema do Código de 1973 em vigor, na sua Parte Geral, Livro I, Título IV, Capítulo III, trata Dos deveres das partes e dos seus procuradores (arts. 66 a 67). Ainda no Livro I, Título VI, Capítulo I (arts. 107 e seguintes), o Projeto trata também Dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do juiz. Sugere-se que o Projeto ali também aponte e enumere os deveres do juiz, o que se omitiu em fazê-lo, se lembrarmos que o Conselho Nacional de Justiça, no exercício da sua competência constitucional para controlar o cumprimento dos referidos deveres (Constituição Federal, arts. 92, I- A e 103-B, incisos III e IV), editou um Código de Ética da Magistratura, aprovado na 68a. Sessão Ordinária do Conselho, matéria objeto de discussão no processo administrativo nº 2008.20000007337. O texto do mencionado Código de Ética da Magistratura foi publicado no Diário de Justiça de 18/9/2008, no qual são estabelecidos preceitos deontológicos aos juízes sobre integridade pessoal e profissional, diligência e dedicação, cortesia, prudência, sigilo profissional, conhecimento e capacitação, dignidade, honra e decoro.[3] Seria aconselhável e interessante que o Projeto incluísse tais normas em seu texto ou, pelo menos, lhes fizesse referência, a fim de que restassem positivadas no texto do novo Código de Processo Civil. É preciso que o Estado Democrático de Direito brasileiro também recomende aos juízes que seleciona e nomeia o cumprimento de seus deveres funcionais, o que, muitas vezes, é esquecido pelos agentes públicos julgadores na direção dos processos.[4] Em reforço da presente sugestão, observa-se que o Projeto, acompanhando o Código de 1973 e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35/1979), no seu art. 113, prevê a responsabilidade dos juízes, em situações nas quais, no exercício de suas funções, causem prejuízos às partes.



II – Sugestões quanto à modificação dos conteúdos normativos de
alguns artigos do texto do Projeto: alteração de suas redações


4. Redação sugerida para o art. 15: “A jurisdição civil é exercida em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”.

Justificativas. A redação do texto como está - a jurisdição civil é exercida pelos juízes - reproduz o art. 1º do Código de 1973, em vigor. O jurista Pontes de Miranda já criticava tal redação, dizendo-a de “conteúdo tautológico”, ou seja, “jurisdição exercida pelos juízes”.[5] Obviamente, a jurisdição só pode ser exercida pelos juízes, nunca por outros agentes públicos (v.g., Promotores de Justiça, Oficiais de Justiça, Delegados de Polícia).

5. Redação sugerida para o caput do art. 63 e seu parágrafo único: “Art. 63. A desconsideração da personalidade jurídica obedecerá ao procedimento previsto neste Capítulo. Parágrafo único. O procedimento deste Capítulo é aplicável também...”.

Justificativas. A redação atual menciona Seção, mas o artigo se encontra inserido no Capítulo II, que trata Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Logo, a palavra Seção deve ser substituída por Capítulo.

6. Redação sugerida para o art. 64: “Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados, para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis”.

Justificativas. A redação atual menciona que o sócio, o terceiro e a pessoa jurídica serão intimados, o que não se revela adequado ao direito processual. Todos eles deverão ser citados (e não intimados), conforme a regra do art. 195, parágrafo único, do mesmo Projeto.[6] O ato de ciência de que trata a regra do art. 64, salvo melhor juízo, é citação. Se não apresentarem resposta, após a citação, feita com a advertência legal da referida regra, sujeitar-se-ão aos efeitos da revelia.

7. No texto examinado, vê-se, no § 2º, do art. 93, a inserção indevida da preposição “com” na sua redação: “.... entidades que prestam assistência jurídica com em razão de convênios firmados...”. Tal preposição tem de ser retirada do texto, eis que sem qualquer sentido lógico ou gramatical, ao que parece, tratando-se de simples erro material (de digitação).

Justificativa. Observância da regra do art. 153 do Projeto.

8. Redação sugerida para o parágrafo único, do art. 101: “Parágrafo único. O juiz poderá limitar o consórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O requerimento de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.”

Justificativas. O texto a ser modificado menciona “o pedido de limitação...”, o que é imprecisão terminológica. Pedido é a pretensão delineada na petição inicial, consequência da causa de pedir, ambos seus requisitos legais (Projeto, art. 303, incisos III e IV) e núcleo fundante da narrativa de mérito feita pelo autor, objeto da sentença que será proferida. A postulação que a parte fizer quanto à limitação do litisconsórcio não é pedido (no sentido técnico), mas requerimento. O Projeto traz para seu texto vícios da prática forense, divorciada da técnica e da ciência do direito processual.[7]

9. Sugere-se que o art. 109 do Projeto seja suprimido, por afrontar visivelmente a principiologia constitucional do Estado Democrático de Direito, renumerando-se os subsequentes, que forem mantidos.

Justificativas. No Estado Democrático de Direito brasileiro, que adota o sistema jurídico romano-germânico (civil law), o juiz não pode decidir por equidade. O agente público decisor sempre estará vinculado à reserva legal, garantia fundamental do povo, conforme prevê o art. 5o., inciso II, da Constituição Federal: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A expressão lei, no texto constitucional, deve ser entendida como ordenamento jurídico, ou seja, conjunto de princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais que o compõem, vinculando os órgãos jurisdicionais, quando proferem suas decisões.[8] Daí a inarredável sujeição do Estado Democrático de Direito ao princípio constitucional da legalidade, que o estrutura constitucionalmente (ler art. 37 da Constituição, mencionando dito princípio estruturante do Estado Democrático de Direito em primeiro lugar, na enumeração que empreende). Em sede de doutrina, já foi considerado que: “A legitimidade democrática das decisões jurisdicionais, comprometidas com o princípio do Estado Democrático de Direito, está assentada na exclusiva sujeição dos órgãos jurisdicionais às normas que integram o ordenamento jurídico, emanadas da vontade do povo, porque discutidas, votadas e aprovadas pelos seus representantes, no Congresso Nacional”.[9] Portanto, a orientação doutrinária de Rosemiro Pereira Leal tem lugar na situação em comentário, ao assinalar dito jurista que, nas democracias, “nenhuma norma é exigível se seu destinatário não é o seu próprio autor”, porque, “se o povo real não legislou, o direito não existe para ninguém”.[10] A supressão do referido artigo ficará harmonizada com a proposta legislativa apresentada na própria Exposição de Motivos, pois um de seus objetivos declarados, aliás, o primeiro, foi “estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal”, em razão da “necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal” (original destacado).

10. Redação sugerida para o art. 108: “O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico; no julgamento do processo, caber-lhe-á aplicar os princípios constitucionais, as regras legais e os princípios gerais de direito, realizando-se a integração do direito pela analogia”.

Justificativas. A redação atual menciona “julgamento da lide”. Contudo, lide tem significado técnico-jurídico um pouco diverso do que se pretende no texto do Projeto. Na doutrina precursora de Carnelutti, lide é “conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida (discutida).[11] Melhor que o texto legal mencione, então, julgamento do processo. Por outro lado, hodiernamente, a partir dos estudos aprofundados de Boulanger, Esser e Alexy, em torno dos princípios de direito, passou-se a entender que as normas jurídicas (gênero) compreendem os princípios e as regras de direito (espécies). Logo, princípios constitucionais, regras constitucionais, regras infraconstitucionais (regras legais) e princípios gerais de direito - sem quaisquer exceções - são normas jurídicas, que integram o ordenamento jurídico do Estado. A redação cuja modificação é sugerida, de forma errônea, contrariando concepção moderna da ciência do Direito no Século XXI, coloca os princípios gerais de direito como fonte supletiva formal do direito (depois do costume), em havendo lacunas (falibilidade normativa), aos quais o intérprete ou decididor somente recorrerá, se não houver regras legais a respeito. Labora o texto do Projeto em grave equívoco, com todo o respeito, sob entendimento de antanho, há muito tempo superado.[12] Na verdade, de forma errônea, o Projeto está copiando a redação do art. 126 do Código de 1973, sendo certo que este, por sua vez, inspirou-se nas disposições da vetusta Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n. 4.657, de 4/9/1942, art. 4o.), o que exige revisitação. Deve-se atentar, ademais, para a circunstância de que o ordenamento jurídico não é lacunoso, porque, nele, sempre será encontrada uma norma jurídica (regra ou princípio) que solucione a situação fática reconstruída dialeticamente pelas partes contraditoras e juiz no processo (espaço normativo cognitivo-argumentativo), via fundamentação conectada ao contraditório[13]. Já dizia o saudoso Professor José Olímpio de Castro Filho, nas suas magníficas aulas de Direito Processual Civil proferidas na UFMG, que “o intérprete, diante do ordenamento jurídico, é o infinitésimo desafiando o infinito”. Em sendo assim, por todos esses fundamentos de direito, o juiz também não pode decidir pelo costume (direito costumeiro). Afinal de contas, o Estado Democrático de Direito brasileiro consagra o sistema jurídico romano-germânico (civil law). Enfim, a redação ora sugerida permitirá que as normas do art. 108 fiquem em coerência com as oportunas normas introduzidas nos arts. 1o. e 6o. do Projeto, as quais, em boa hora, realçam a importância dos princípios (sobretudo os constitucionais) no ordenamento jurídico, chamando a atenção dos órgãos jurisdicionais para o assunto. A Exposição de Motivos do Projeto esclareceu que “criou-se um Código novo, que não significa, todavia, uma ruptura com o passado, mas um passo a frente”. A redação do art. 108, então, precisa ser alterada, como aqui fica sugerido, de modo a se alcançar esse almejado “passo a frente”.

11. Redação sugerida para o parágrafo único, do art. 112: “Art. 112. (....). Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que tiver de proferir a sentença poderá mandar repetir as provas já produzidas, se entender necessário, mediante decisão fundamentada, impugnável por agravo de instrumento, com efeito suspensivo” .

Justificativas. Conveniente chamar o novo Código a atenção do juiz para a necessidade de fundamentar a decisão que determinar a repetição de provas, na fase decisória. Suas consequências causam elevado onus, pois envolve tempo (retardamento da solução do processo) e dinheiro (despesas para as partes), logo, passível de comprometer os princípios informativos do processo relativos à economia e à celeridade. Também prudente suspender a eficácia da decisão, por meio de agravo de instrumento com tal efeito, até que o Tribunal o julgue, em face dos graves problemas que a decisão poderá gerar. Ora, várias são as espécies de prova contempladas no ordenamento jurídico, entre elas a pericial e a testemunhal, ambas de produção demorada, todas gerando despesas e tempo procedimental adequado. Suponha-se que um juiz, substituindo outro, na fase decisória (subsequente à instrutória ou probatória), depois de longa espera das partes pela sentença de mérito, decida repetir a prova pericial e a prova testemunhal, sem que isto seja realmente necessário (hiperatividade jurisdicional desordenada e inócua[14]), tudo ocasionando designação de outra audiência de instrução e julgamento, ampliação do tempo para a solução decisória e mais despesas às partes. Imagine-se decisão em tal sentido, sem qualquer justificação (fundamentação), deixando as partes atônitas ou perplexas, o que, é de sabença geral, não é raro acontecer na prática do foro. A própria Exposição de Motivos do Projeto bem alcançou que é necessário “dar todo o rendimento possível a cada processo”, advertindo, mais, que a elaboração do novo Código de Processo Civil “levou em conta o princípio da razoável duração do processo” (acrescentamos, princípio este guindado ao patamar de garantia constitucional), porque, ainda justificou a mesma Exposição, “afinal, a ausência de celeridade, sob certo ângulo, é ausência de justiça”. Sem dúvida, a redação ora sugerida virá ao encontro desses salutares propósitos cogitados na Exposição de Motivos.

12. Redação sugerida para o art. 242. “São nulos os atos do processo quando o Membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deve intervir, salvo se ele entender que não houve prejuízo. Parágrafo único: ..... (mantido).

Justificativas. Conforme esclarece o próprio parágrafo do artigo, na verdade, não é nulo o processo, conforme aponta o caput, na redação atual, mas nulos serão os atos processuais praticados a partir do momento procedimental em que o Ministério Público deveria intervir, mantendo-se os efeitos daqueles que lhe são anteriores. Cogita-se aí de mera aplicação do principio do aproveitamento dos atos processuais, informativo do processo.

13. Redação sugerida para o art. 257: “As partes têm direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar fatos em que se funda a ação ou a defesa e influir eficazmente na convicção motivada do juiz”.

Justificativas. O propósito da sugestão é substituir a expressão “livre convicção do juiz” por “convicção motivada do juiz”. Dentro da principiologia constitucional do Estado Democrático de Direito, não mais se pode cogitar de “livre convicção do juiz” no ato do julgamento, como ocorreu na Alemanha nazi-fascista, período de triste memória para a humanidade, no qual – livremente – a magistratura alemã decidia com base no sentimento de pensadores justos e equânimes, objetivando proteger os valores do povo alemão, personificados na figura do Führer - mas, sim, de “convicção motivada”.[15] É preciso que a redação da norma-preceito do art. 257 fique afeiçoada à teoria constitucionalista do processo, que, em algumas oportunidades, orientou a redação do Projeto, como se vê nos enunciados normativos dos seus arts. 1º e 11 e como sustenta sua própria Exposição de Motivos (ver item 9, retro).

14. Redação sugerida para o art. 314. “Enquanto não saneado o processo (art. 354), o autor poderá aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, desde que o faça de boa-fé e que não importe em prejuízo ao réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de quine dias, facultada a produção de prova complementar”.

Justificativas. A atual redação do artigo, permitindo alteração da causa de pedir e do pedido, núcleo da narrativa de mérito, enquanto não proferida a sentença, poderá causar desordem e tumulto no processo. Ora, suponha-se que, depois de saneado o processo, após a audiência de instrução e julgamento, encerrada a fase instrutória ou probatória, estando o processo pronto para receber solução decisória (sentença de mérito), resolva o autor alterar causa de pedir ou pedido, isto implicando em produção de prova suplementar. Ou seja, se a prova suplementar for a testemunhal e se for deferida, o juiz terá de designar, também, outra audiência, único espaço procedimental adequado à produção de prova oral. Se a qualificada prova suplementar for perícia (= vistoria, avaliação, exame), novo trabalho pericial (laudo do perito e pareceres dos assistentes técnicos). Tudo isto depois de renhido e indispensável contraditório, ou seja, reabertura de novo e intenso debate dialético entre autor e réu sobre as inovações trazidas com as alterações perpetradas na narrativa de mérito. Ter-se-á um reinício da cognição, exatamente no momento procedimental em que o processo receberia sentença de mérito (pronunciamento decisório final). Este tumulto, gerado pela permissividade do art. 314, na redação em que se encontra, atritando com a celeridade processual e com a garantia constitucional da razoável duração do processo, não condiz com a idéia do que seja processo, data venia. Daí a modificação ora sugerida, permitindo alterações na narrativa de mérito (causa de pedir e pedido) somente até a fase de saneamento, com remissão às normas do art. 314, que dispõem sobre o momento procedimental em que o juiz declara saneado o processo. No particular, tenha-se em mente lição oportuna de Hélio Tornaghi: “O processo é um caminhar para a frente (pro cedere); é uma sequência de atos que se encadeiam numa sucessão lógica e com um fim, que é o de possibilitar ao juiz o julgamento. (...). Qualquer ato que signifique um retardamento é um noncesso (...); a balbúrdia, o movimento desordenado (moto multo) é o tumulto”.[16] De se lembrar que o autor, se saneado o processo em curso, poderá levar sua pretensão inovadora para outro processo, a ser iniciado pelo exercício do seu direito constitucional de ação, vale dizer, não sofrerá prejuízo a respeito. Enquanto isto, o Estado porá fim ao processo já iniciado há algum tempo e que exige pronunciamento decisório final, nos termos em que o autor, mal ou bem, o provocou, ou seja, com a narrativa de mérito feita na petição inicial por ele entregue ao Estado-jurisdição, sobre a qual o réu esboçou defesa.

15. Redação sugerida para o § 3º, do art. 615: “ § 3º. Considera-se também terceiro o cônjuge ou o companheiro quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação”.

Justificativas. A redação ora sugerida tem dois objetivos. Primeiro, eliminar da redação posta no Projeto a expressão “bens reservados”, que não mais se encontra recepcionada no Direito Brasileiro, após a Constituição de 1988, quando proclamou solenemente a igualdade entre os cônjuges (art. 226, § 5º). A figura dos bens reservados da mulher houvera sido criada pela Lei n. 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), mas que não foi recepcionada pelas normas da atual Constituição vigente, dantes apontadas. Segundo, incluir no parágrafo 3o., do art. 615, o direito também do companheiro (partícipe da união estável, entidade familiar constitucional equiparada ao casamento) de defender seus bens próprios ou de sua meação, conforme já reconhecido pela jurisprudência: “A companheira que possui patrimônio comum com o devedor dispõe de embargos de terceiro para opor-se à constrição causada sobre a sua meação por execução movida ao segundo (STJ, 4a. Turma, REsp 264.893/SE, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 4.10.2001, DJ 4.3.2002, p. 261).[17]

16. Redação sugerida para o parágrafo único do art. 795: “Parágrafo único. Após juntado aos autos o auto de penhora e avaliação ou o laudo de avaliação, o juiz determinará a intimação das partes para se manifestarem a respeito, no prazo comum de 10 dias”.

Justificativas. A redação atual do artigo, pertinente à avaliação do bem penhorado no procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente (Livro III), cuja modificação ora é sugerida, está vazada nos seguintes termos: “Parágrafo único. Quando o imóvel for suscetível de cômoda divisão, a avaliação, tendo em conta o crédito reclamado, será realizada em partes, sugerindo-se os possíveis desmembramentos para alienação”. Tal possibilidade aventada é passível de causar grandes discussões e problemas na execução, por vários motivos. Primeiro, imóvel, em princípio, pela sua natureza e substância, é juridicamente insuscetível de divisão (Código Civil, art. 87). Segundo, não é possível conceder ao oficial de justiça ou ao avaliador o poder ou a função de aquilatar ou verificar se o ímóvel é “suscetível de cômoda avaliação” e, a partir daí, avaliá-lo por frações ou pedaços, o que vai gerar discussões infindáveis no processo de execução. Terceiro, na redação atual, insere-se expressão destituída de qualquer sentido: “sugerindo-se os possíveis desmembramentos para alienação”. Enigmaticamente, a norma não aponta quem formulará as cogitadas sugestões de possíveis desmembramentos, quem será seu destinatário e quais as providências devidas à concretização do considerado desdobramento. É importante lembrar que, no sistema jurídico-registral brasileiro, todo imóvel está sujeito à matrícula no Registro Imobiliário, por inteiro. Ora, quaisquer desdobramentos ou fracionamentos têm de ser levados ao referido registro público, com a respectiva abertura de nova matrícula para cada um dos desdobramentos, o que somente é possível fazê-lo seja por meio de sentenças, obtidas em processos jurisdicionais de divisão, seja por meio de procedimentos administrativos instaurados perante o próprio órgão imobiliário registral. Ninguém vai adquirir pedaços do imóvel penhorado avaliados sob tal permissivo. Se as frações ou pedaços avaliados não correspondem ao que se encontra individualizado e mencionado no registro imobiliário, sob regular matrícula, objeto da penhora, surgirão dificuldades para que sejam adjudicados ou alienados judicial. Forçosamente, não se conseguirá fazer o registro imobiliário da posterior carta de arrematação ou mesmo da carta de adjudicação. Logo, no lugar da redação que se encontra no referido parágrafo, sugere-se outra, que, em outra perspectiva, atenda à garantia do contraditório e à segurança das partes.

16.1- A norma em exame encontra-se na subseção XI, da Seção III, do Capítulo III, do Título II, do Livro III, que trata da avaliação do bem penhorado (arts. 793 a 798). Finalidade da avaliação é apurar o valor do bem penhorado, a fim de que o juízo da execução, em seguida, possa dar início "aos atos de expropriação de bens” (art. 798). Saber o valor do bem penhorado, no processo de execução, é importante tanto para o credor quanto para o devedor, por ser, também, o indicador econômico do valor da sua adjudicação (art. 799) ou da sua alienação (arts. 802 e seguintes). Sendo assim, é imperioso estabelecer no ponto – valor do bem penhorado – o indispensável contraditório, permitindo às partes a oportunidade de discuti-lo, o que não se vê na referida Subseção XI, da avaliação, arts. 793 a 798.

16.2 - Esse defeito técnico-estrutural do Projeto – ausência de contraditório no procedimento da avaliação do bem penhorado – já se constata no Código de 1973 em vigor, mesmo após as modificações que lhe foram feitas pela Lei nº 11.386, de 6/12/2006, e está permanecendo no Projeto, o que está a exigir correção.

16.3- Com efeito, sobre o tema, já havia sido feita a seguinte consideração doutrinária crítica, visando a se corrigir o indicado defeito técnico-estrutural, que ainda se torna pertinente ao assunto, respaldando a redação aqui sugerida:

“Impõe-se observar que as apontadas modificações acarretam às partes maior atenção e vigilância ao procedimento de avaliação do bem penhorado (arts. 680 a 685), pois seu valor, agora, se constitui no preço mínimo pelo qual o bem apreendido poderá ser adjudicado pelo credor ou alienado por sua própria conta ou por meio de agente credenciado. Curiosamente, todavia, o desavisado legislador reformista, no texto da Lei nº 11.386, de 6/12/2006, nenhuma alteração promoveu nas normas que regem o procedimento de avaliação, de sorte a permitir, tanto ao credor, quanto ao devedor, a oportunidade de se manifestarem ou de discutirem o valor da avaliação, constante do respectivo laudo, se dele divergirem (art. 680). Esta omissão agride o modelo constitucional do processo, pois, grosseiramente, suprime das partes a garantia constitucional do contraditório. Ora, credor e devedor têm o manifesto interesse de discutirem o valor que for atribuído ao bem penhorado, seja na avaliação feita pelo oficial de justiça, pelo valor indicado no auto de penhora e de depósito, seja no laudo de avaliação elaborado por perito com conhecimentos especializados (arts. 680 e 681). Logo, tão logo juntado aos autos o auto de penhora e de depósito com o valor atribuído ao bem penhorado ou o laudo de avaliação elaborado por perito, deverão as partes ser intimadas para se manifestarem a respeito. Avaliações inexatas ou estapafúrdias são passíveis de acarretar grandes prejuízos ao credor ou ao devedor, lembrando-se, por pertinente, que os avaliadores, seja o oficial de justiça, seja o perito, são civilmente responsáveis pelos danos assim causados às partes, cabendo-lhes a obrigação indenizatória por perdas e danos pelos atos de seus ofícios praticados com dolo ou culpa (arts. 144 e 147). Ora, se o bem penhorado for avaliado por valor inferior ao do mercado, embora não o seja, se lhe for superior o valor da dívida, o prejuízo será do devedor, porque a execução prosseguirá pelo saldo remanescente (art. 685-A, § 1º, in fine). Ao contrário, se avaliado por valor exagerado, muito acima ao preço usual de mercado, o prejuízo será do credor, porque, se este requerer sua adjudicação, por exemplo, e o será pelo valor da avaliação, este superior ao valor do crédito exeqüendo, o adjudicante terá de depositar, de imediato, o valor da diferença, que ficará à disposição do executado, para posterior levantamento (art. 685-A, § 1º). O ato judicial que decidir as impugnações feitas pelas partes ao valor da avaliação será decisão interlocutória (art. 162, § 2º), passível de questionamento pela via recursal do agravo de instrumento e de revisão pelo seu prolator, no chamado juízo de retratação (arts. 522 e 529).” [18]

17. Redação sugerida para a redação do parágrafo 1º do art. 837: “Art. 837. (....permanecer inalterado). § 1º Ouvido previamente o credor, no prazo de 5 dias, se a proposta for deferida pelo juiz, o exequente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso seja indeferida , seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito. § 2º. (...permanecer inalterado).

Justificativas. Novamente, ausência de contraditório no ponto examinado. Na redação atual do seu art. 837, §§ 1º e 2º, o Projeto, repetindo o Código de 1973, prevê e disciplina normativamente a possibilidade de o devedor-executado requerer o pagamento parcelado do valor da dívida objeto da execução, o que a doutrina qualifica de moratória legal, mas não contempla o direito de o credor-exequente manifestar-se previamente sobre o parcelamento pretendido pelo devedor.. Constata-se o mesmíssimo defeito já apontado no item 16, retro, também já detectado no Código de 1973 em vigor, quando criou a figura da chamada moratória legal (art.745-A).

Na matéria, já havia crítica doutrinária ao Código de 1973, que também se repete e estende ao Projeto de Novo Código de Processo Civil, porque o defeito perdura na elaboração deste último:

“Após citado, no prazo para embargos, que é de 15 dias (art. 738), o devedor, reconhecendo a obrigação e renunciando à sua defesa, poderá requerer pagamento parcelado do montante da dívida ajuizada (principal, acessórios, custas e honorários de advogado), em até 6 parcelas mensais, desde que deposite, à ordem do juízo, de imediato, ou seja, simultaneamente ao requerimento, 30% de seu total (art. 745-A). A expressão utilizada na lei é a de que “poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais”. Este enunciado fraseológico “poderá requerer” não significa que o devedor tenha o direito absoluto ou incontestável de efetivar o pagamento do valor da execução parceladamente, entendimento que, tudo indica, consagrou-se erroneamente na malsinada prática forense. Aliás, temos visto que alguns juízes, desautorizados pelo ordenamento jurídico vigente, ao deferirem a petição inicial da execução e determinando a citação do executado para pagamento em 3 dias, também recomendam constar do mandado citatório que o devedor tem o direito de efetuar o pagamento da dívida exeqüenda em parcelas. Cuida-se de incorreção, por vários motivos de direito, que enumeramos a seguir. Em primeiro lugar, as normas do Código de Processo Civil, concernentes ao processo de execução, regem os procedimentos que o Estado coloca à disposição do credor, para que este obtenha, coativamente, o cumprimento da obrigação inadimplida pelo devedor, ou seja, no caso em exame, pagar quantia em dinheiro. Assim, o procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente (arts. 646 e seguintes) nada mais é, em resumo, do que uma técnica normativa de desapropriação de bens de propriedade do devedor, que o Estado coloca à disposição do credor, mediante a qual os bens do executado são apreendidos (penhora), avaliados e vendidos, entregando-se ao credor e exeqüente, em seguida, o dinheiro assim obtido, a título de pagamento. Ou, então, após avaliados, os bens penhorados são adjudicados ao credor, se assim o requerer, em pagamento da dívida (arts. 646, 647, I, II, III e 708, I e II). Tais regras (de direito processual), por óbvio, não cuidam da relação jurídica obrigacional (regida pelo direito material), que, muito antes do processo de execução existir, ficou estabelecida entre credor e devedor, relação jurídica pré-processual, disciplinada pelas normas de direito material ou de direito substancial existentes no Código Civil, Parte Especial, Livro I, Direito das Obrigações (arts. 233 a 420). Logo, somos levados a entender que o credor não está obrigado a receber prestação diversa da que foi convencionada no título executivo extrajudicial e que lhe é devida, ainda se mais valiosa, também não podendo o credor ser obrigado ou compelido pelo Estado a receber por partes, mesmo que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, se assim não foi convencionado ou ajustado no título executivo. Haverá de prevalecer, no caso, os princípios da autonomia da vontade e da legalidade, albergados, respectivamente, nas normas dos arts. 112, 313 e 314 do Código Civil, que o juízo da execução nunca poderá desconhecer (Código de Processo Civil, art. 126, 2a. parte), ao examinar o requerimento do executado. Ora, por consequência, em segundo lugar, caso o devedor requeira o pagamento da dívida executada em parcelas mensais, benefício que alguns doutrinadores chamam de moratória legal (art. 745-A), antes de deferir o requerimento, deverá o juízo da execução intimar o credor para se manifestar a respeito, em prazo reputado razoável ao caso (art. 177), mínimo de 5 dias (art. 185), até mesmo em respeito à garantia constitucional do contraditório, que integra a garantia também fundamental e mais extensa do devido processo legal (Constituição Federal, art. 5º, inciso LV). Tenha-se sempre presente a imperiosa necessidade da observância do modelo constitucional do processo (princípio da supremacia da Constituição), do qual é componente a garantia do contraditório, que recebe da pena magistral de José Carlos Barbosa Moreira a seguinte e precisa explicação: “Por esta expressão costuma-se designar uma fundamental garantia das partes, consistente, de um lado, na igual abertura a ambas da possibilidade efetiva de influir no resultado do processo, apresentando razões, discutindo as do adversário, participando da atividade probatória e reagindo contra atos do juiz que lhes contrariem os interesses; de outro lado, na proibição, para o órgão judicial, de determinar providências sem delas dar ciência às partes e de fundar a decisão em fatos ou provas a cujo respeito aquelas não hajam tido a oportunidade de manifestar-se. Na situação em comentário, não poderá o juízo da execução desconsiderar o contraditório no processo de execução, até porque o credor talvez possa ter razões de sobra para se opor ao requerimento do executado, recusando-se a receber o valor do seu crédito em parcelas mensais, dentre as quais, por exemplo, a de possuir o devedor vários bens móveis e imóveis no seu vasto patrimônio ou importâncias em dinheiro depositadas em polpudas contas bancárias, passíveis de penhora, para posterior adjudicação daqueles ou indisponibilidade destas, com o levantamento posterior dos seus valores, após transferidos para depósitos à ordem judicial”. [19]

III – Outras sugestões
Procedimento do recurso de apelação
Admissibilidade e efeitos (arts. 908, 926 e 928)

18. O procedimento do recurso de apelação, no tocante ao juízo de admissibilidade e aos efeitos em que é recebido, salvo melhor juízo, precisa ser revisitado e reformulado. O projeto prevê que o juízo de admissibilidade toca exclusivamente ao segundo grau de jurisdição (art. 926), ao qual compete, também, atribuir-lhe o efeito suspensivo (arts. 908 e 928).

19. Essa sistemática implantada, salvo melhor entendimento, precisa ser revista. Em primeiro lugar, não se revela racional retirar do juízo de primeiro grau, também, a possibilidade de examinar os pressupostos de admissibilidade do recurso. Não tem sentido lógico, por exemplo, o juízo de primeiro grau determinar a remessa ao Tribunal de recurso de apelação intempestivo e deserto.

20. A questão do efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação também precisa ser revista, de forma que, em primeiro lugar, o Código indique claramente os casos nos quais a apelação será recebida no referido efeito, de modo que o juízo de primeiro grau examine a questão, tão logo ocorra sua interposição (lembrando-se que a apelação sempre terá efeito devolutivo). O Projeto, de forma mal arrumada, criou um incidente processual junto ao Tribunal (art. 908, § 2º.), pelo qual a parte apelante terá de requerer seja atribuído efeito suspensivo à apelação. Não está bem claro como tal requerimento será autuado e processado, se instruído com cópias do processo principal e quais seriam elas. Demais disto, se prevalecer, duplicar-se-á o trabalho dos relatores no Tribunal, pois, logicamente, todo apelante irá requerer seja conferido efeito suspensivo à apelação, após sua interposição, ainda estando sendo processado dito recurso no juízo de primeiro grau. Isto significa dobrar o trabalho dos relatores. Primeiro, criado o incidente, examinarão se será atribuído efeito suspensivo à apelação. Depois, em outra etapa, quando os autos com a apelação chegarem ao Tribunal, examinarão seus pressupostos e mérito. Com todo o respeito, o sistema do Projeto peca pela ausência de racionalidade e o sistema do Código de 1973, vigente, é muito mais lógico e racional. Há casos em que, objetivamente, o recurso de apelação não poderá ter efeito suspensivo. Por exemplo, recurso de apelação contra sentença que rejeitou embargos à execução, liminarmente ou não. Por óbvio, em face de normas específicas do processo de execução, neste caso, o recurso de apelação somente terá efeito devolutivo. Outro exemplo, sentença que confirmou decisão interlocutória liminar concessiva de tutela antecipada de mérito, da mesma forma, se impugnada por recurso de apelação, não se admitirá lhe seja atribuído o efeito suspensivo. Por que não prevê-las o Projeto, desde logo? O Projeto, como está, não tem parâmetro normativo algum a respeito e está calcado no máximo da subjetividade conferida ao relator, ao examinar se atribuirá efeito suspensivo ao recurso de apelação. Sem dúvida, consagra um retrocesso.

21. São essas, pois, Excelentíssimos Senhores Senadores, as sugestões que ora são apresentadas ao seu judicioso exame, focalizando-se, nesta oportunidade, tão somente, os pontos mais críticos do Projeto examinado.



Professor Ronaldo Brêtas C. Dias
[1] Mestrandos em Direito Processual pela PUC/Minas Gerais Ana Flávia Sales, André Araújo do Pinho, Cristiane Maria Campos, David Gonçalves Menezes, Érica Monteiro Barbosa, Gustavo de Castro Faria, Juliana Barros Pereira, Kenio Silva Alves, Leonardo Campos Victor Dutra, Lidiane Maurício dos Reis, Nilza Aparecida Ramos Nogueira, Pauliana Maria Dias, Solange Pereira dos Santos, Tiago Lucas Tavares Vale e Viviane Micheli Gregorio. Com exceção da Mestranda Nilza Aparecida Ramos Nogueira, que é Procuradora Pública do Estado de Minas Gerais, os demais são Advogados e Professores em diversas Faculdades no Estado de Minas Gerais. As sugestões partiram da aula-seminário sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil realizada em 31/8/2010. A entrega da presente proposta de sugestões ao Estado-legislativo, em audiência pública, revela um dos aspectos da legitimação democrática do Estado de Direito, ou seja, possibilidade de qualquer do povo influir nos debates travados em torno de relevantes questões nacionais e de participar do processo constitucional legislativo (cf. BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito, Del Rey, 2010, p. 48 e seguintes).
[2] O Código de Processo Civil de 1973 comete o mesmo equívoco, tratando os procedimentos por ações (Livro IV, arts. 890 e seguintes). A doutrina sempre o criticou por isto (cfr. DINAMARCO, Cândido Rangel, Fundamentos do processo civil moderno, t. I, Malheiros, 2001, p. 341-342. SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de Direito Processual, v. 1, Saraiva, 2006, p. 54. BRÊTAS, Ronaldo C. Dias, Exame técnico e sistemático do Código de Processo Civil reformado. In: BRÊTAS, Ronaldo C. Dias e NEPOMUCENO, Luciana Diniz (Coords.). Processo civil reformado, Del Rey, 2009, p. 445-447.
[3] Sobre o assunto, ver BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. Ob. cit., p. 148-152.
[4] Ver matéria jornalística publicada no jornal Folha de São Paulo, edição de 23/8/2010, p. A-18, com o título Magistratura não tem blindagem contra corrupção. Referido texto de reportagem se baseia nas declarações e entrevista prestadas ao jornal pelo Ministro Gilson Dipp, ao fazer resumido relato dos dois anos que passou à frente da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça. As informações ali divulgadas quanto a irregularidades apuradas pela Corregedoria são de estarrecer, se for levado em conta que os juízes, forçosamente, passam por uma Faculdade de Direito durante 5 anos, antes do ingresso na magistratura exercem a advocacia por três anos, no mínimo, são selecionados sob rigoroso concurso público de provas e títulos, submetidos a testes psicotécnicos e, quando se inscrevem nos concursos para o cargo de juiz (agentes públicos decisores), são alvo de breves sindicâncias sobre seus antecedentes, além de muito bem remunerados pelos jurisdicionados contribuintes. Referido texto jornalístico noticia que, nos últimos dois anos, o Conselho Nacional de Justiça teve de punir 36 juízes, dos quais 2 colocados em disponibilidade, 18 aposentados compulsoriamente, 1 removido compulsoriamente e 15 afastados cautelarmente.
[5] Comentários ao Código de Processo Civil, t. I, Forense, 1979, p. 62.
[6] A respeito, ver trabalho de Mestranda em Direito Processual da PUC/Minas. GREGÓRIO, Viviane Micheli. A necessidade da citação pessoal dos sócios quando da desconsideração da personalidade jurídica. In: LIMA CASTRO, João Antônio (Coord.). Direito processual: efetividade técnica constitucional, PUC/Minas-IEC, 2010, p. 640.
[7] Cf. BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Exame técnico e sistemático do Código de Processo Civil reformado. In: BRÊTAS, Ronaldo C. Dias e NEPOMUCENO, Luciana Diniz (Coords.). Processo civil reformado, Del Rey, 2009, p. 420-421.
[8] Cf. BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. Ob. cit., p. 67-74 , 114 e 118-122.
[9] BRÊTAS. Ronaldo C. Dias. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional, Del Rey, 2004, p. 134.
[10] Teoria processual da decisão jurídica, Landy Editora, 2002, p. 39.
[11] Instituciones del proceso civil, v. I Buenos Aires: EJEA, s/d, p. 27-34.
[12] Sobre princípios e regras, cf. BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. Ob. cit., p. 103 e seguintes.
[13] Cf. BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. Ob. cit., p. 132-134.
[14] Sobre hiperatividade jurisdicional desordenada, ver BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. Ob. cit., p. 164.
[15] A respeito, ver NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático, Juruá, 2008, p. 88-94.
[16] Instituições de processo penal, Saraiva, 1o. v., 1977, p. 313.
[17] Cf. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado, RT, 2010, p. 915.
[18] BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Procedimento reformado da execução por quantia certa. In: BRÊTAS, Ronaldo C. Dias e NEPOMUCENO, Luciana Diniz (Coords.). Processo civil reformado. Ob. cit., p. 514-516.
[19] BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Procedimento reformado da execução por quantia certa. In: BRÊTAS, Ronaldo C. Dias e NEPOMUCENO, Luciana Diniz (Coords.). Processo civil reformado. Ob. cit., p. 512-513.

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